sexta-feira, 19 de junho de 2015

Desmitificando o branqueamento de capitais


Conceito
A expressão Branqueamento de capitais deriva da expressão inglesa money laundering e o seu significado prende-se com a origem pouco clara dos capitais.
Origem e evolução
O branqueamento de capitais remonta ao mítico Al Capone, que teria comprado em 1928, em Chicago, uma cadeia de lavandarias (laundromats), da marca Sanitary Cleaning Shops. Este negócio apesar de legal, permitiu camuflar os depósitos bancários de notas de baixo valor nominal provenientes do comércio de bebidas alcoólicas interdito pela Lei Seca e de outras atividades criminosas como a prostituição, o jogo e a extorsão, uma vez que tais depósitos são muito comuns na venda de uma lavandaria.
A expressão laundering surgiu pela primeira vez no jornal inglês The Guardian e popularizou-se nos anos 70 com o caso Watergate. O caso Watergate teve origem numa série de investigações que desnudou uma complexa operação de escutas telefónicas e espionagem ilegais, aos escritórios do Partido Democrata, por parte de membros da presidência dos EUA no ano eleitoral de 1972, originando a renúncia de Richard Nixon da Presidência da República nos Estados Unidos, após ter sido envolvido no caso.
O caráter internacional surgiu no final dos anos 80 com a Convenção de Viena em 1988, desencadeada pela atenção dada aos capitais oriundos do tráfico de drogas.
Nos anos 1990 a prevenção e o combate ao crime organizado e particularmente à associação à corrupção seja política, judicial ou policial, levou o Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI/FATF) a desenvolver um documento de referência sobre prevenção e combate ao branqueamento de capitais que ficou conhecido como as 40 recomendações.
Em 2000, 2 bancos privados internacionais criaram o The Wolfsberg Group, cuja missão reside no desenvolvimento de melhores práticas na prestação de serviços financeiros, enfatizando políticas de conhecimento do cliente - Know Your Customer (KYC) e desenvolvimento de ações de prevenção e combate ao branqueamento e ao terrorismo internacional.
A utilização do branqueamento de capitais como forma de financiamento do terrorismo ganha relevância na sequência dos ataques de 11 de setembro de 2001.
Significado e objetivo
O branqueamento de capitais é o processo pelo qual os autores de atividades criminosas encobrem a origem dos bens e rendimentos obtidos ilicitamente, transformando a liquidez proveniente dessas atividades em capitais de aparência legal, por dissimulação da origem ou do verdadeiro proprietário dos fundos.
O objetivo não é o lucro, mas a dissimulação da origem ilícita do capital, tornando possível a realização de negócios considerados "muito maus" ou "desaconselháveis” como é o caso da compra de passivos, ou seja a compra de empresas endividadas ou falidas por preços irreais que serão usadas, mais tarde, como fachada para novas transações.
O processo de branqueamento engloba três fases:
ü  Colocação
Os bens e rendimentos são colocados nos circuitos financeiros e não financeiros, através de depósitos em instituições financeiras ou de investimentos tanto em atividades lucrativas como em bens de elevado valor;
ü  Circulação
Os bens e rendimentos são objeto de múltiplas e repetidas operações (e.g. transferência de fundos), com a intenção de dissimular a origem criminosa, suprimindo qualquer vestígio sobre a proveniência e propriedade dos capitais;
ü  Integração
Os bens e rendimentos, já reciclados, são reintroduzidos nos circuitos económicos legítimos através da utilização dos capitais na compra de bens e serviços, por exemplo.
Criminalização
A criminalização foi exigida por vários instrumentos do Direito Internacional, com destaque para a Convenção de Viena de 1988, a Convenção Contra o Crime Organizado Transnacional de 2000 e a Convenção Contra a Corrupção de 2003. O GAFI propôs a criminalização logo nas suas primeiras recomendações emitidas em 1990.
Em Portugal, esta temática foi introduzida 1993 sob a influência da primeira Diretiva comunitária, que tornou o branqueamento de capitais crime a partir de 2004 (Lei n. 11/2004, de 27 de março, que aditou o artigo 368-A do Código Penal). Do ponto de vista da ação penal, as principais dificuldades consistem em provar que os bens são de origem ilícita e que o agente conhecia essa origem.
PREVENÇÃO E DETEÇÃO
As instituições financeiras para analisar os dados do cliente e detetar operações suspeitas possuem um software denominado de Anti-Money Laundering (AML) que permite filtrar dados do cliente, classificá-los de acordo com o nível de desconfiança e rastrear alterações de comportamento ou irregularidades. Este rastreamento sinaliza o aumento ou a retirada repentina e/ou substancial de fundos. O referido software assinala os nomes que foram colocados na lista negra, ou seja lista esta que é composta por 23 países identificados pelo GAFI como não cooperantes com as normas de combate ao branqueamento, e as transações efetuadas com países que são considerados adversos ao país anfitrião.
Em Portugal, o estabelecimento de medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento e ao financiamento do terrorismo, previstas na Lei n.º 25/2008, de 5 de junho, incluem:
ü    Dever de Identificação: exigir e verificar a identidade dos seus clientes.
ü    Dever de Diligência: exigir e verificar, sempre que aplicável (1) a informação sobre a natureza e a finalidade da relação de negócio; (2) a origem e o destino dos fundos; e (3) a estrutura da propriedade e controlo do cliente.
ü    Dever de Recusa: deve-se recusar iniciar uma relação de negócio quando:
ü  Não forem facultados os elementos identificativos exigidos.
ü Não for obtida informação sobre a natureza e a finalidade da relação de negócio, a origem e o destino dos fundos, bem como a estrutura de propriedade e controlo do cliente, quando aplicável.
ü    Dever de Conservação: conservar os documentos decorrentes do cumprimento dos deveres de identificação, durante 7 anos.
ü    Dever de Exame: examinar qualquer comportamento, atividade ou operação cujos elementos caracterizadores possam relevar algum tipo de branqueamento ou financiamento terrorismo.
ü    Dever de Comunicação: informar o ProcuradorGeral da República sobre fatos que configurem ou façam suspeitar que está em prática ou foi tentada, uma operação suscetível de configurar um crime de branqueamento ou financiamento de terrorismo.
ü    Dever de Abstenção: abster-se de exercer a sua atividade sempre que se saibam ou suspeite do envolvimento em prática conducentes a crimes de branqueamento ou financiamento do terrorismo.
ü    Dever de Colaboração: colaborar com o ProcuradorGeral da República, Unidade de Informação Financeira ou autoridade judiciária responsável pela direção do inquérito, sempre que requerido.
ü    Dever de Segredo: não revelar ao cliente ou a terceiros a transmissão de informações legalmente exigidas ou que se encontra em curso uma investigação criminal.
ü    Dever de Controlo: criar e implementar procedimentos que tornem possível o cumprimento dos restantes deveres.
ü    Dever de Formação: adotar as medidas necessárias para que os colaboradores tenham conhecimento dos deveres enumerados.

Esta lista de deveres apresentada aplica-se tanto às entidades financeiras como às não financeiras.



Sem comentários:

Enviar um comentário